Homeschooling: conheça o método que Bolsonaro quer regulamentar no Brasil
- bixcoitodiario
- 12 de jun. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 19 de jun. de 2019
Por: Gabriela Gonzaga e Gabriela Marçal
“Na minha casa, quem manda sou eu”: a frase popular sintetiza bem as motivações dos pais que lutam pela regulamentação da prática do ensino domiciliar no Brasil. Eles querem autonomia perante o Estado para educar seus filhos e ter a liberdade de decidir o que, e como, será ensinado a eles.
Surgido nos Estados Unidos na década de 1960, o homeschooling, como é conhecido por lá, é uma modalidade educacional em que os próprios pais ou tutores ficam responsáveis por ensinar seus filhos em casa, não os colocando, portanto, na escola. Especialmente comum na América do Norte, onde, segundo a especialista Mary Clark, as crianças educadas em domicílio representam 2% da população escolar, a prática já foi regulamentada em cerca de 60 países.

Apesar de não ser diretamente proibido no Brasil, o ensino domiciliar contraria o estatuto da criança e do adolescente, que determina que a matrícula na rede regular de ensino é obrigatória e a falta de frequência é compreendida como negligência por parte dos pais.
Essa obrigatoriedade, no entanto, pode acabar com o projeto de lei assinado pelo presidente Jair Bolsonaro no início de abril, que regulamenta o ensino domiciliar. O tema figurava entre suas metas para os cem primeiros dias de governo. “A principal motivação do projeto de lei é estabelecer um marco legal para a educação domiciliar, regular o exercício desse direito, visando assegurar a educação da criança e do adolescente. É mais uma possibilidade de ensino, tendo como premissa a pluralidade pedagógica”, afirmou em nota o secretário adjunto do Ministério da Família, Pedro Hollanda.
Para o sociólogo especialista em educação Iuri Cardoso, da Universidade de São Paulo, a atenção dada pelo atual governo ao assunto é cortina de fumaça para esconder reais problemas da educação brasileira. “Existem questões muito mais graves e que merecem mais discussão como o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), a formação de professores e a valorização da carreira do professor”, exemplifica Cardoso. Para ele, o projeto contempla uma quantidade ínfima de brasileiros: “Quais são as famílias que têm tempo para ensinar seus filhos ou dinheiro para contratar professores particulares? Seria uma proposta totalmente voltada para pessoas ricas”.
Programa Expressão Nacional - Ensino domiciliar: prós e contras (Câmara dos Deputados)
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e pesquisadora do Ensino Domiciliar, a pedagoga Vânia Carvalho nega que a prática seja elitizada: “As pesquisas têm encontrado adesão em famílias de classe média com um certo capital cultural mas, muitas vezes, sem um capital financeiro suficiente para colocar a criança numa escola particular de boa qualidade”, afirma. Vânia admite, no entanto, que o Homeschooling não seja uma opção adequada para toda e qualquer família: “Você precisa ter um mínimo de formação, saber a matéria que você está ensinando. Além disso, a prática exige uma dedicação dos pais, exige que pelo menos um dos pais esteja em casa com a criança”.
Apesar de ter encontrado maior abertura e receptividade no governo Bolsonaro, o movimento não é exatamente uma novidade e está presente no Brasil desde a década de 1990. Segundo a Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned), cerca de oito mil famílias já aproveitam a brecha na lei para ensinar seus filhos em casa. O número pode ser ainda maior, já que há famílias que não assumem ter adotado esse tipo de educação com medo de serem denunciadas.

A esteticista Karina Bastos optou por aderir o ensino domiciliar como forma de educação de seus três filhos e tem a internet como grande aliada nessa missão: “Existem inúmeros cursos e livros disponíveis na internet, gratuitos ou pagos, que cobrem todo o currículo necessário para a formação completa de um estudante”, afirma ela. “Tenho certeza de que consigo cobrir todos os conteúdos oferecidos por uma escola regular”.
O grande diferencial que a atraiu para o método, segundo ela, é a possibilidade de personalizar as lições de acordo com o perfil e as potencialidades de cada criança: “Apesar de ter tido acesso a uma escola considerada boa, sempre achei ruim o fato dos alunos receberem a mesma instrução, de não serem levadas em conta suas individualidades de aprendizado e de interesse”.
Dentre as vantagens da adoção do ensino domiciliar por parte das famílias, Vânia Carvalho menciona a qualidade da formação acadêmica, afirmando que a maioria das crianças educadas em casa nos Estados Unidos e no Canadá fica acima da média nas avaliações de desempenho, além de obter boas notas de admissão nas grandes universidades. Ainda segundo Mary Clark, 14% dos finalistas em concursos escolares do país presidido por Donald Trump foram educados em casa. O número é alto considerando-se que estas crianças representam uma pequena minoria no corpo estudantil do país.
O maior convívio com a família que, segundo a pesquisadora, tem terceirizado e negligenciado cada vez mais a educação dos filhos com o modelo de ensino tradicional, também figura entre as vantagens listadas. O grande objetivo, no entanto, é a liberdade que vem com esse tipo de instrução educacional. “A liberdade que você tem para trabalhar conteúdos, liberdade para aprender mais em campo, para fazer seus horários”, afirma Vânia.
Cardoso, por outro lado, é bastante crítico com relação à essa dita liberdade: “Um dos principais argumentos dos defensores do homeschooling é o de que estão lutando contra uma ideologização do ensino que não existe nas escolas. O que o ensino domiciliar vai fazer é permitir que o aluno tenha contato com apenas uma ideologia: a da família. Isso sim seria doutrinação”, afirma.
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