Assédio no trabalho: impunidade e medo de represálias dificultam a vida das vítimas
- bixcoitodiario
- 10 de abr. de 2019
- 4 min de leitura
Iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos do Rio pretende reduzir e punir casos de assédio em empresas privadas
Por: Gabriela Oliveira
Com apenas 23 anos de idade, Júlia Moreira* realizou seu sonho de trabalhar em uma das maiores empresas de comunicação do país. Em pouco tempo, no entanto, o sonho virou pesadelo nas mãos do gerente da área em que atuava. Em meio à episódios de grosseria, humilhações públicas e autoritarismo, o gestor ainda tinha o péssimo hábito de dar em cima de quase todas as suas funcionárias do sexo feminino, colocando-as em situação extremamente constrangedora. “Desabafei com colegas sobre o que estava acontecendo comigo e eles me contaram que uma secretária da empresa tinha sido demitida depois de reclamar desse gestor. Perdi a coragem de denunciar”, conta.
Júlia não é a única. Segundo estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas 15% das mulheres vítimas de assédio denunciam seus agressores no Brasil. Quando perguntadas, em pesquisa do Ministério Público de São Paulo, sobre suas motivações para não denunciar esse tipo de caso, as mulheres foram quase unânimes em responder com a palavra “medo”. Medo do assediador, medo da descrença da sociedade, medo da impunidade e, no caso do assédio no ambiente de trabalho, medo de perder o emprego.
Não deveria ser assim. O assédio moral e sexual no trabalho, que segundo cartilha do extinto Ministério do Trabalho “caracteriza-se pela exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho”, é crime, previsto na constituição, com pena de um a dois anos de detenção.
A prática é mais comum do que se imagina. Em pesquisa do coletivo Think Olga que entrevistou cerca de 8 mil mulheres brasileiras, 33% afirmaram já ter sofrido assédio no ambiente de trabalho. Em 61% desses casos o assediador era seu colega ou superior e em 30% um cliente. Ainda assim, é raro ouvir falar de alguém que tenha, de fato, sido preso por esse tipo de assédio.

Para intensificar o combate a essa impunidade, a Secretaria Estadual de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro lançou no último dia 20 uma pesquisa para identificar mulheres que estejam sofrendo algum tipo de assédio ou violência dentro de empresas privadas. Muitas vezes, segundo a secretária Fabiana Benites, essas mulheres nem se dão conta de que estão sofrendo violência, ou que estão tendo suas vidas profissionais e pessoais prejudicadas.
“Queremos ter uma percepção melhor sobre casos de assédio e também de violência doméstica contra essas mulheres. E a partir daí propor reflexões, advertências, educação e capacitação para que essas mulheres não continuem a ser constrangidas”, declarou a secretária em entrevista ao portal G1, “A gente quer conscientizar e educar as empresas, capacitando-as para prevenir o assédio contra suas funcionárias”, afirma.
A fim de evitar que o medo de represália contenha as entrevistadas, o questionário é completamente anônimo. Para as que quiserem solicitar algum tipo de ajuda à secretaria, no entanto, é possível se identificar.
Ainda segundo a cartilha do extinto Ministério, além de órgãos públicos como a secretaria, a justiça do trabalho e a delegacia da mulher, as próprias ouvidorias e departamentos de Recursos Humanos das empresas devem acatar denúncias e mantê-las obrigatoriamente em sigilo.
Para que algo seja feito, no entanto, é preciso ter provas. A orientação é de que a vítima deve anotar detalhes de todas as abordagens do agressor: data e hora, local ou setor, testemunhas e o conteúdo das investidas ou agressões. Gravações de conversas ou imagens, ainda que sem o conhecimento do agressor, têm valor de prova, assim como bilhetes, e-mails, presentes e registros em canais da empresa ou órgãos públicos.
No caso de Júlia, depois de anos de assédios e comportamentos inapropriados por parte do gestor, cerca de vinte mulheres de diversos departamentos da empresa decidiram fazer uma denúncia coletiva ao departamento de recursos humanos, afirmando terem sofrido assédio moral ou sexual daquele mesmo homem. Após investigação interna, a empresa optou por demiti-lo no início do ano passado. O fez, no entanto, de maneira discreta, de forma a abafar o caso, fazendo com que a reputação do assediador não sofresse maiores danos: ele logo foi contratado para assumir um cargo de destaque em uma grande agência de publicidade. “É um tanto frustrante saber que ele continua no mercado, provavelmente seguindo com as mesmas práticas”, desabafa Júlia.
Mundialmente falando, o momento é de mudança dessa narrativa. Nos Estados Unidos, os movimentos Time’s Up e #MeToo, originados do escândalo envolvendo o cineasta Harvey Weinstein, acusado de assédio no ambiente de trabalho por dezenas de atrizes hollywoodianas, destruíram as carreiras de homens poderosos com Kevin Spacey e Bill Cosby. Os movimentos ganharam ramificações em diversos países do mundo, como a Itália (#QuellaVoltaChe), França (#BalanceTonPorc) e Argentina (#YoTambién).
Aqui e lá fora, as empresas tendem, cada vez mais, a não querer associar-se com homens com comportamentos inadequados e abusivos e as mulheres têm uma consciência cada vez maior de seu poder, de seus direitos e dos limites que devem ser respeitados. Daqui pra frente, machistas (não) passarão e as mulheres, donas de si, passarinho.
*A pedido da entrevistada, sua verdadeira identidade foi preservada. O nome é fictício.
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