top of page

Cicero Damasceno: o Forrest Gump brasileiro

  • bixcoitodiario
  • 12 de jun. de 2019
  • 6 min de leitura

Conheça a história do cearense de 58 anos que foi a pé do Rio de Janeiro ao Ceará, plantando uma muda de árvore a cada 50km percorridos

Por: Fernando Correia e Italo Barbosa


Cícero Damasceno, 58 anos, e os pares de tênis usados no Desafio do Cícero
Cícero Damasceno, 58 anos, e os pares de tênis usados no Desafio do Cícero


Em uma disputa tradicional de corrida, vence aquele que chegar em primeiro lugar. Mas nem sempre um corredor tem como propósito subir ao pódio. Cícero Damasceno, 58 anos, se tornou um exemplo entre os maratonistas do Brasil: em maio de 2017, foi do Rio de Janeiro à sua cidade natal, Santa Quitéria, no Ceará, a pé. Objetivo? "Desafiar a mim mesmo e representar aqueles que possuem limitação”, afirmou o cearense que durante o trajeto, plantou uma muda de ipê amarelo a cada 50 km percorrido.

O Desafio do Cícero, como foi nomeado a maratona, durou 51 dias. Até hoje, o feito é lembrado pelos moradores de Santa Quitéria e por atletas amadores do Rio de Janeiro. Aos que não conhecem a história, Cícero Damasceno faz questão de contar pelo que passou, e assim como Forrest Gump, busca ver o lado bom das coisas, com gratidão e valorização daqueles que fizeram parte de sua vida.



  • Desafio do Cicero

No dia 1 de maio de 2017, aos 56 anos, Cicero iniciou seu maior desafio pessoal ao caminhar do Rio de Janeiro até sua cidade natal, Santa Quitéria, no Ceará. Ao todo foram 3.166 km percorridos em 51 dias de caminhada. Somado a isso, plantou uma muda de ipê a cada 50km de distância. Sua jornada foi movida a água e rapadura, o principal "combustível" do corredor. Em média, Damasceno caminhou 60km de por dia e durante o trajeto fazia pausas para as refeições. A noite, ficava hospedado em hotéis à beira da estrada para cuidar das feridas e descansar. "Se eu chegar vivo, o cemitério será meu ponto de chegada, se eu morrer vou para lá qualquer jeito", brincou o cearense.



O “Desafio do Cicero”, como nomeou em sua página no Facebook, é um projeto que começou muito antes de dar a largada. Foram cinco anos se preparando fisicamente, financeiramente e pesquisando o caminho mais adequado, com o mínimo de obstáculos. Antes do desafio, Damasceno havia percorrido o trajeto 11 vezes de carro. Sua maior motivação foi “mostrar ao povo brasileiro que não importam as dificuldades que apareçam em nossas vidas, sempre há uma saída, e temos de enfrentar desafios. Estou desafiando a mim mesmo e representando aqueles que possuem limitação”, afirmou o cearense.


Cicero não fez isso sozinho. Teve ajuda de um amigo, Flávio, que dirigiu um carro de apoio levando água e as mudas de ipê. Ao todo, foram mais de 60 árvores plantadas às margens das estradas e outras 120 doadas à caminhoneiros e pedestres que cruzavam seu percurso. O maratonista conta que algumas vezes caminhou sozinho e outras tendo uma torcida acompanhando. Vários moradores das cidades pelas quais ele passava tiravam fotos e faziam vídeos.


Fã tira foto ao lado de Cicero segurando mudas de ipês. Fonte: Facebook

Após 51 dias da largada, em 24 de junho de 2017, Cicero chegou a Santa Quitéria com uma recepção calorosa. Pelo seu exemplo de vida, virou um personagem querido na região. Após a repercussão do desafio, Damasceno conta que seu feito incentivou o desenvolvimento do esporte na cidade, que hoje é uma dos principais pilares da educação básica da cidade. Além disso, ganhou um cordel contando suas aventuras, foi convidado para participar de diversos eventos de esporte na cidade e tem seu nome assinando a meia maratona da cidade.


Chegada de Cicero em Santa Quitéria-CE. Fonte: Prefeitura de Santa Quitéria

Cartaz promocional da 1ª meia maratona "Cicero Damasceno". Fonte: Prefeitura de Santa Quitéria

Trecho do "Cordel em homenagem ao maratonista Cicero Damasceno" de José Cassimiro Melo, 2017:

VII

Com essa viagem longa

cheia de dificuldade

Seu Cicero mostrou que tem

Enorme vitalidade

Para percorrer sozinho

Por todo esse caminho

Aos 56 anos de idade

VIII

É uma história bonita

Que deixa uma lição

Um exemplo a ser seguido

Mesmo sem premiação

Também sem o incentivo

Apenas com o motivo

De cumpir sua missão”

  • A infância em Santa Quitéria

Nascido e criado na fazenda dos pais em Santa Quitéria, município do Ceará a 200 km de Fortaleza, Cícero Damasceno teve uma infância humilde. O nome é uma homenagem ao Padre Cícero, importante sacerdote cearense da Igreja Católica. A ideia de se tornar padre passou pela cabeça do maratonista, mas logo depois desistiu da ideia. “Achava interessante, mas descobri que não podia casar. Aí eu saí fora.”

O atleta é o caçula dos 25 irmãos - 10 biológicos e 15 adotivos. Dona Nelza, mãe de Cícero, era a parteira da cidade e ajudava a comunidade local. “Minha mãe ajudava muito as pessoas. Pegava criança da rua para cuidar. Dava comida para as pessoas, dava lugar para morar. Minha forma de ajudar as pessoas veio dela.”


Filho de agricultores, Cícero Damasceno, junto com os irmãos, contribuía para a produção da fazenda dos pais, que segundo ele, tinha de tudo. Ajudava a plantar, colher e vender nas feiras da cidade; o principal produto da família Damasceno era o algodão.

Pintura de sítio em que Cícero vivia com sua família.

A esquerda João Pedro Damasceno e a direita Nelza Damasceno pai de mãe de Cicero.

E apesar das obrigações com a fazenda, Dona Nelza cobrava os estudos aos filhos. No entanto, a escola mais próxima ficava 25 km de distância da casa de Cícero. Foram os primeiros quilômetros percorridos pelo maratonista, que décadas depois, foi do Rio de Janeiro ao Ceará correndo.


“Aos treze anos, ganhei um jegue para ir a escola. Era muito ruim porque ficava todo assado. Na época não tinha talco, então minha mãe colocava goma de tapioca. Mesmo assim, ardia tudo. Um tempo depois, ganhei uma bicicleta para dividir o trajeto com um dos meus irmãos. Mas a bicicleta, de tanto usar, quebrou. Aí passei ir andando mesmo.”


Nas maratonas diárias até o colégio, Cícero percorria o trajeto em terra batida, calçado por uma sandália feita a mão pela sua mãe. Cenário bem diferente dos dias atuais, o qual a maratona até Santa Quitéria foi feita por pares de tênis de alta performance e em estradas com asfalto. “Os 50 km que fazia todo dia para ir ao colégio me preparou para que eu pudesse fazer essa maratona ao Ceará. Mas na época, eu não imaginava que iria fazer isso.”

A escola em que Seu Cícero estudou, o Colégio Oiticica, foi o preparatório para o gosto do esporte. Acostumado a nadar no açude da cidade, foi convidado pela professora de educação física a participar dos campeonatos de natação. “Eu ganhava todos os campeonatos. Até que a professora Eugênia mandou eu correr, porque tinha que ter aluno de corrida. Comecei a correr e gostei.”


  • Chegada ao Rio de Janeiro

Os estudos eram prioridade na família Damasceno. E por um sonho de cursar o ensino superior, Cícero Damasceno, em 1979, com apenas 18 anos, decidiu se mudar para o Rio de Janeiro com o irmão Emanuel. A chegada à cidade foi frustrante: percebeu que o dinheiro que tinha juntado ainda em Santa Quitéria não era o suficiente para ingressar em uma universidade (5000 cruzeiros por mês na época). “Se eu guardar esse dinheiro todo mês, eu me chamo de doutor.”


Apesar do maior desejo ter sido interrompido, Cícero correu atrás de oportunidades para seguir a vida na cidade carioca. Trabalhou na rede de restaurantes limpando lousas. O baixo salário fez o cearense buscar emprego como pedreiro numa empresa de construção civil no bairro da Tijuca, zona norte do Rio. É funcionário da mesma empresa até hoje, mas com o cargo de Supervisor de Obras.


“Passei muita dificuldade no Rio, mas formei minha família aqui. Hoje tenho uma esposa, dois filhos. Moro numa casa legal que eu mesmo construí, num bairro tranquilo. Gosto do meu trabalho, da vida que estou vivendo. Sou muito grato ao Rio de Janeiro”, disse Cícero, morador do bairro de Curicica, pai do Davi e da Vitória


Se na Cidade Maravilhosa, Cícero Damasceno encontrou as maiores dificuldades da vida, foi também onde o corredor conheceu a maratona. Até o final dos anos 80, tinha o futebol como esporte favorito. Porém, as lesões constantes de cada pelada o afastou da bola e Cícero procurou outro esporte. E exatamente há 30 anos, disputou o que seria a sua primeira maratona esportiva.


Hoje, o experiente corredor carrega consigo uma pochete de rapadura, um chapéu de palha e a bandeira do Brasil amarrada nas costas com uma imagem do Ayrton Senna, homenagem que ele faz ao piloto desde sua morte que completou 25 anos de falecimento este ano. “Sempre levo um punhado de rapadura, para dar energia, e a bandeira do Ayrton Senna, porque gostava muito dele. Ele sempre levava a bandeira do Brasil onde ia. Alguém precisa carregar essa bandeira pelo país, continuar com o legado do Senna.”



Cícero segurando a imagem que leva consigo do Ayrton Senna

Bandeira que ganhou em sua homenagem ao seu ídolo








  • Projetos Futuros

Aos 58 anos, o cearense possui uma coleção de centenas de medalhas de maratonas e não pretende parar por aí... Um de seus principais objetivos é continuar promovendo a conscientização da preservação do meio-ambiente e por isso participa de diversos projetos, como o “Santa Quitéria Verde”, caminhadas ecológicas realizadas por ONGs e leciona palestras gratuitas para empresas e instituições de ensino. Cicero conta que possui mais de 20 mil árvores plantadas em todo Brasil e que sua favorita, e escolhida para plantar durante o desafio, é o Ipê por ser “um símbolo brasileiro e árvore que mais leva água para o solo”, afirmou o sertanejo.


Como projeto futuro, Damasceno pretende construir um museu sobre sua história em Santa Quitéria. De acordo com ele, “quem não é lembrado morre três vezes: de corpo; de alma e de esquecimento”. E planeja também sua próxima caminhada para 2020, dessa vez ele pretende percorrer mais de 5 mil quilômetros até Guaraciaba do Norte no interior do Ceará - onde vive parte de sua família - ou até o Piauí, a 2.411 km do Rio de Janeiro



תגובות


© 2019 por Bixcoito Diário. Todos os direitos reservados. 

Quem somos

Site criado pelos alunos de jornalismo da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro para a disciplina de Laboratório de Jornalismo de Plataformas Digitais.

bottom of page